JEFF



Fecho os olhos quando Fourth grita “é o que?!” Ao descobrir que Barcode vai para um intercâmbio ao lado do seu primo gato, que óbvio, sou eu.

“Você nunca falou nada sobre isso”, Love diz sentada no braço do sofá com uma das pernas no colo de Gemini.

“Eu sei, é que foi algo meio recente”, Barcode diz com os dedos inquietos, claramente não sabendo como mentir.

“Algo meio recente?”, a voz da garota está carregada de ironia ao repetir o que o meu garoto disse, “dois meses não é tempo suficiente para você nos contar?”

“Eu sei, eu sei”, o garoto ao meu lado diz.

“Fui eu quem pedi para não contar”, Flower diz deixando a cadeira para se sentar na mesa de centro ficando a nossa frente, ela segura a mão de seu filho, “era algo incerto não queria que ele colocasse expectativas em cima de vocês.”

“Isso não faz sentido”, Gemini diz com a mão vagando pelas coxas de Fourth “antes mesmo do Code começar a estudar para o vestibular você nos contou e fez mais de uma festa.”

“Vocês não conseguem ficar felizes pelo amigo de vocês?”, digo com irritação percorrendo as minhas veias.

Odeio adolescentes.

“Ninguém está te perguntando nada”, Fourth diz sem nem me olhar.

Cerro o maxilar para não arrancar a língua do rapaz que está com a mão apoiada no joelho do meu garoto, achando graça, Plawan deixa uma risada escapar de seus lábios.

“Foi exatamente isso o que a mamãe falou”, Barcode me observa com o canto dos olhos antes de inclinar o corpo para frente deixando o sofá, “desculpa por esconder isso de vocês, eu amo vocês.”

Com um sorriso deixo o sofá ficando ao lado do Tinnasit, estendo a mão para Flower que aceita sem pestanejar e ao seu lado sou guiado para fora da residência, enfim encerrando o meu acordo com eles.

“Você é sempre uma querida”, seguro a sua outra mão, ficando a sua frente, “obrigado pela recepção.”

“É um prazer vê-lo”, as lágrimas escorrem pelo seu rosto caindo no chão, “nunca mais verei o meu filho, não é?”

“Óbvio que vai”, solto a sua mão e com o polegar limpo as suas lágrimas, “não estou o tirando de você, ele ainda vai vim visitá-la.”

“É um acordo?”

“Não”, digo, “é uma promessa minha, e eu jamais quebro as minhas promessas.”

“Você é um bom amigo, Jeff”, ela me envolve em seus braços, “cuide do meu garoto.”

“Você é uma querida amiga, voltarei mais vezes e irei trazer o nosso garoto.”

Me afasto dela indo em direção ao Barcode, toco em seu ombro me aproximando de seu ouvido “vou te esperar dentro do carro, se pensar em fugir queimo essa casa com a sua família e amigos dentro, entendeu bem?” ele assente e o solto entrando no carro.

Barcode leva cerca de meia hora para entrar dentro do carro, o seu nariz está vermelho e os olhos ainda escorrem lágrimas, solto o livro de caça-palavras e cruzo as pernas me voltando para ele, “bom, não acho que é um bom momento para lembrá-lo que você disse que tiraria a sua roupa para mim.”

Com uma risada ele usa a manga de seu casaco para secar as lágrimas, “eu não vou tirar a minha roupa para você.”

“Sabe, pessoas já deram a alma para ter uma noite comigo”, a casa dos Tinnasit começa a sumir enquanto o carro começa a ganhar velocidade.

“Olha só” Barcode coloca o cinto, “além de vendedor de almas. você é garoto de programa.”

“Bom, só nas horas vagas.”

“Vamos mesmo para Londres?”, ele muda de assunto.

“Não, mas podemos dar uma passada lá se quiser.”

“Então, para onde vamos?”

“Gosto de surpresas.”

Ele revira os olhos.

“Quem é o seu chefe?”

“Não precisa ficar curioso, em breve você vai conhecê-lo.”

8:45



Abro os olhos assustado com os tremores que o avião causa ao pousar, sem nem me recordar de quando acabei pegando no sono. Me ajeito na poltrona confortável que a primeira classe oferece e me viro para a entidade que me observa com um sorriso. “Seja bem-vindo ao meu inferno”, diz Jeff, sem tirar o sorriso dos lábios. Antes que eu consiga raciocinar o que ele disse, meu corpo se move como se eu não tivesse controle algum sobre ele. Minhas mãos abrem a pequena janela do avião, revelando um céu cinzento que cobre o lugar para o qual fui levado.

Minha atenção se volta para Jeff quando escuto sua risada alta, que mais parece a gargalhada rouca de um velho fumante de 76 anos. O desespero em meu peito se transforma em surpresa e logo depois em raiva. Por que esse desgraçado está rindo de mim?

“Não achou que o céu estaria vermelho, não é?” Ele diz em meio às risadas. “Vamos, não queremos atrapalhar o trabalho dos comissários com a nossa demora.” Jeff se levanta e estende a mão para mim.

De mãos dadas com Jeff, saímos do avião para o início de um dia gelado em uma cidade desconhecida.

“Bom dia, senhor Satur, seu carro já está à sua espera.” Uma moça loira de olhos castanhos diz em um inglês claro enquanto entrega dois casacos escuros para o demônio ao meu lado.

“Obrigado, querida.” Jeff solta minha mão e coloca um dos casacos embaixo do braço. Seus dedos deslizam por meus ombros, como um pedido silencioso para que eu me vire. Ele coloca o casaco em mim e, em seguida, veste o outro antes de voltar a segurar minha mão.

“Onde estamos?”, pergunto, procurando por placas que possam me indicar em que parte do mundo estamos.

“Estamos em Nova Iorque, meu querido.” Jeff diz enquanto me coloca no banco do passageiro e pega a chave com outra mulher. “Aqui é o meu inferno pessoal, e espero que seja o seu paraíso.”

O caminho é longo. Jeff não para em nenhum sinal, nem desacelera o carro. Vejo altos prédios e muitas pessoas andando pelas ruas, mas a casa da entidade que possui a minha alma fica afastada da cidade grande. É uma casa de dois andares com uma arquitetura clássica e antiga. De longe, ela até poderia parecer esquecida pelo tempo, mas à medida que nos aproximamos, é possível ver o quão bem cuidada foi ao longo dos anos. Alguns homens aguardam a chegada de Jeff.

“Seja bem-vindo à sua nova casa.” Jeff diz antes de sair do carro. “Não quero que você veja a sua estadia aqui como uma prisão ou algo eterno.” Ele abre a porta para que eu deixe o carro. “Você não vai morrer aqui. Eu não deixarei isso acontecer.” Subimos os degraus da entrada. “E ontem não foi a última vez que você viu sua família e amigos. Eu te garanto isso.”

“Como posso saber que o que você diz é verdade?”

“Não saberá. Mas eu irei te provar que não estou mentindo.”

O interior da casa segue a mesma estrutura clássica e antiga do exterior. Sigo Jeff até uma sala com vários sofás posicionados em frente a uma lareira. Ao redor, estantes de livros cercam uma mesa sem cadeiras, decorada com um vaso contendo um arranjo que mistura girassóis e lírios.

“Vejo que a sua ansiedade foi maior que o meu pedido.” Jeff comenta para a moça sentada com as pernas cruzadas, que eu nem percebi quando entramos na sala.

“Ah, eu precisava dar as boas-vindas pessoalmente.” Ela se levanta, jogando os longos fios escuros para trás do ombro. “E, claro, queria ver o prêmio que você conquistou.” Ela caminha até mim. “Olá, querido, eu sou Milk.” Ela estende a mão para mim.

"Eu sou o Barcode."

“Ah, eu precisava dar as boas-vindas pessoalmente.” Ela se levanta, jogando os longos fios escuros para trás do ombro. “E, claro, queria ver o prêmio que você conquistou.” Ela caminha até mim. “Olá, querido, eu sou Milk.” Ela estende a mão para mim.

“Bom.” Jeff atrai nossa atenção. “Vamos conhecer a sua nova casa?” Ele pergunta, passando o braço sobre meus ombros e afastando Milk de mim.

10:45



Milk voltou a se sentar com as pernas cruzadas no sofá antigo da sala de estar do Jeff. Enquanto isso, o dono da casa me ofereceu um sorriso gentil ao colocar as mãos de dedos finos e esguios em meus ombros, guiando-me até os fundos. Permaneci em silêncio enquanto Jeff me mostrava a cozinha, a sala de jogos, a de jantar e a de TV. Passamos por um grande salão que possuía algumas cadeiras e um piano fechado, com um vaso de girassóis sobre ele, antes de entrarmos em seu escritório.

"Essa casa de fato é sua ou você pegou a alma do dono e ficou com ela também?" — questionei, olhando para os meus dedos enquanto pressionava o encosto de uma das cadeiras antigas.

Jeff me fitou por alguns minutos que mais pareciam horas. Eu poderia jurar que foram anos até ele finalmente dizer:

"Bom..." — Ele olhou para o candelabro que balançava no teto atrás de palavras — "é a casa em que eu cresci, mas por um longo tempo ela pertenceu a uma família que não era a minha."

Sua voz soava amarga, como se estivesse avistando lembranças que havia escondido por muito tempo.

"E o que aconteceu com eles?" — perguntei, sem ter plena certeza de que queria ouvir a resposta.

"Muitos morreram com o tempo." — Ele passou por trás de mim, tocando a mesma cadeira que eu, e parou diante da estante, deslizando os dedos pela sua gravura. "Por tempos achamos que, enfim, a dinastia havia se encerrado. Até que..."

"Até que...?" — A pergunta escapou da minha garganta sem que eu a permitisse.

"Até que um deles chegou até mim, sem sequer saber quem era."

"Você o matou?"

"Não" — respondeu de imediato. "Não sou um assassino. Ele não demonstra saber quem é, nem o seu legado. É quase tão inofensivo..." — Ele me olhou. "Quanto você."

"Eu não sou inofensivo" — rebati, e ele sorriu.

"Claro que é." — Passou por mim novamente, deixando o escritório. "Vamos conhecer o seu quarto."

O quarto em que eu passaria o restante da minha vida era no mínimo cinco vezes maior que o meu antigo. As paredes eram claras e havia uma lareira em frente à cama. Duas portas de vidro levavam a uma única sacada, e o banheiro tinha uma banheira bem no centro. O quarto, curiosamente, ficava ao lado do quarto de Jeff.

"Só não tem closet porque a arquitetura é antiga" — comentou ele.

"Como você virou um demônio?"

"Acho que a Gladys fez ovos para o café" — disse, claramente tentando fugir do assunto, enquanto se virava para sair.

"Não" — insisti, segurando seu pulso e puxando-o de volta. "Como alguém que cresceu em uma casa como essa, que mais parece um palacete, vendeu a alma?"

"Você não escutou direito a história, não é mesmo?" — disse, puxando o braço de volta. "Eu não cresci cercado de luxo algum, e muito menos vendi minha alma para ter algo desse tipo."

"Então como você virou um?"

"Vamos tomar café" — respondeu, guiando-me para fora do quarto. "Isso é assunto para outro dia."

Se Milk percebeu o clima tenso, decidiu não comentar. Jeff mal terminou de comer seu bolo — com uma quantidade excessiva de calda de chocolate — antes de se erguer da mesa.

"Barcode, fique à vontade para explorar a casa. Agora ela também é sua" — disse, afastando-se. "Vou sair para entregar alguns relatórios, e Milk vai me acompanhar."

"Você mal terminou o seu bolo" — reclamou Milk, também se levantando da mesa. "Tchau, Tinnasit. Seja bem-vindo ao nosso inferno."

"Nosso?" — questionei.

"Óbvio. Jeff transformou este lugar no meu inferno pessoal. Por que ele faria diferente com você?"

"Você é uma alma vendida?" — perguntei, espantado. Era para isso que ele me trouxe aqui? Para suprir sua solidão?

"Oh, não" — ela riu. "Eu sou uma bruxa. A bruxa do inferno. Fui queimada no século dezoito."

Arregalei os olhos e ela sorriu.

“E com você será diferente” — Jeff disse sem tirar os olhos do anel “aqui será como um paraíso para você”.

Milk sorriu antes de deixar a casa ao lado do demônio charmoso. Assim como os dois, não demorei na mesa e segui o conselho de Jeff, explorando a casa.

Minha primeira parada foi novamente o escritório. Vasculhei as gavetas e encontrei apenas alguns papéis em idiomas que eu não reconhecia, parecendo poemas. Deixei tudo como estava e analisei os livros, a maioria sobre história. Peguei um qualquer da estante, sobre a história dos italianos, e o folheei na intenção de reconhecer alguma palavra, quando um papel amarelado caiu.

Era, na verdade, uma fotografia muito antiga de um garotinho ao lado de uma moça, com aquela mesma casa ao fundo. Aproximei a imagem do meu rosto, reconhecendo os olhos de Jeff no menino. Virei a fotografia e li as palavras em tailandês:

"A tempestade não pode me deixar louco,
Mesmo que a chuva me machuque, teu amor cura minha dor."

Passei os dedos pelas palavras que, provavelmente, foram escritas há milênios. Fechei o livro, colocando a fotografia entre as páginas, e o deixei sobre a mesa antes de sair do escritório.

Subi as escadas e comecei a vasculhar os quartos do andar de cima. Encontrei outra sala de música — diferente da anterior. Esta era repleta de instrumentos variados, enquanto a outra abrigava apenas um piano. Logo adiante, descobri uma biblioteca tão vasta que os livros pareciam se multiplicar diante dos meus olhos, deixando minha visão turva por um instante.

O último cômodo que explorei estava mergulhado em penumbra. As cortinas estavam fechadas, e o céu do lado de fora tingia-se daquele laranja familiar do fim da tarde, enquanto as primeiras estrelas começavam a surgir no horizonte.

Acendi a luz — um candelabro de lâmpadas amareladas iluminava o ambiente com um brilho suave e antigo. Espalhadas pelo cômodo, havia várias telas, estantes repletas de vasos e esculturas moldadas em argila.

A cada passo que eu dava em direção à pintura encostada de costas para a porta, o ar parecia pesar, e o ambiente se tornava sutilmente mais escuro.

Quando finalmente me posicionei diante do quadro, meu corpo se arrepiou: era eu, retratado ali, sorrindo. Uma pintura feita à mão, com detalhes tão vívidos que quase pude sentir meu próprio olhar me observando de volta.

Cambaleei para trás, esbarrando em uma das estantes que quase caiu sobre mim. Após me certificar de que nada havia rachado, deixei o lugar e fui para o meu quarto — ao lado do de Jeff, o único cômodo trancado.

Peguei um dos meus pijamas no armário antigo e fui para o banheiro, onde preparei um banho repleto de espuma na banheira. Estava tão relaxante que acabei pegando no sono.

JEFF

O caminho até um dos prédios mais altos do centro de Nova Iorque é percorrido em silêncio. Milk e eu seguimos lado a lado, mas minha mente vagueia, prisioneira de lembranças — as mesmas que eu jurei ter queimado — evocadas pelas palavras de Barcode.

Solto um suspiro longo, o suficiente para atrair o olhar curioso de Milk.

"Barcode é interessante", comenta ela, distraída, enquanto inspeciona as próprias unhas. "Consegui sentir a presença dos Tinnasit de longe... tem certeza de que sua casa está segura?"

"Aquela casa foi moldada pelas mãos deles. Não há lugar mais seguro para o Barcode estar."

"Eu sei", murmura ela, olhando por um instante pela janela. "Mas, se precisar de reforços, posso ajudar. A proteção da sua residência foi criada há séculos... assim como eles. E veja, agora, um deles repousa sob seu teto."

"Eu sei exatamente com quem estou lidando, Milk", respondo, firme. "Barcode é inofensivo. Ainda ignora suas origens."

"Mas ele vai precisar saber. De onde veio. E o que o nosso rei espera dele. Consegue lidar com isso?"

"Quando o rei vier buscá-lo, pode ter certeza: Barcode estará pronto para ser utilizado."

"Só não se apegue demais."

"Fique tranquila. Não tenho laço algum com aquele garoto", abro a porta do carro e dou a volta para abrir a dela. "Vamos?"

"Como sempre, um cavalheiro", ela sorri, encostando os lábios em meu rosto. Em seguida, entrelaça o braço ao meu, e seguimos para dentro do prédio espelhado.

Nossos passos ecoam pelo longo corredor, como se o mundo fosse um palco desenhado para nós. Sem hesitar, aperto o botão do elevador. Lá dentro, há apenas um único comando.

"Pronto?" Milk pergunta com um sorriso leve, escolhendo o botão com suas longas unhas.

Assinto.

"Então, bom. Eu também estou pronta."

Ela é a primeira a entrar na sala, dominada por uma longa mesa rodeada por diferentes formas demoníacas. Os olhares que se voltam para ela são fartos de julgamento e desprezo.

"Olá, Jeff", cumprimenta Soutã, o anfitrião, apertando minha mão com formalidade.

"Finalmente", murmura Ta, ao meu lado. "Agora que o rei chegou, podemos começar." Seu tom é carregado de sarcasmo. Agradeço, por um momento, por estar usando óculos escuros. Assim posso revirar os olhos com liberdade antes de tirá-los.

"Perdão pela demora", digo ao ancião sentado à cabeceira da mesa. "Estava acomodando o Tinnasit em minha casa."

"E como foi a captura?" ele pergunta, sem me olhar. "Demorou mais do que o habitual."

"Tive um contratempo. Mas nada que não possa resolver."

"Tem certeza disso?" Ta provoca, erguendo-se da cadeira. Ele caminha até Milk e repousa as mãos em seus cabelos com familiaridade indesejada. "Você já foi mais sagaz. E essa é uma mercadoria preciosa demais para pequenos tropeços."

A sala ecoa com uma sequência de "sim" em concordância.

"Se teve dificuldades, começo a duvidar de que sua casa seja, de fato, o lugar mais seguro para o Tinnasit."

"Não há prisão melhor", Milk rebate, tirando com desdém as mãos dele de seu cabelo. "A casa do Jeff foi criada por Tinnasits. Isso todos aqui sabem."

"O último Tinnasit que habitou lá morreu há séculos."

"E isso não anula a essência de sua construção."

"Quem garante que essa proteção ainda existe?"

"Eu", a voz do ancião se impõe, silenciando a sala. "Aquela casa foi erguida por um Tinnasit. Sua presença é suficiente para reativar e fortalecer qualquer proteção que esteja adormecida."

"Me perdoe, ancião", insiste Ta. "Mas posso forjar correntes e celas mais seguras. Jeff não me parece o mais indicado para guardar uma joia como essa."

Viro-me para ele, encarando-o:

"Fui promovido justamente por tê-lo capturado. Não existe ninguém melhor do que eu para protegê-lo."

"Seu passado prova o contrário."

"O seu também", retruca Milk, com um sorriso gélido. "Seus últimos acordos foram tão medíocres quanto os primeiros."

Não demora para o pescoço dela estar entre os dedos de Ta.

"A verdade dói", ela diz, ofegante.

"Solte-a", ordeno.

Milk reage antes que eu interfira. Com a palma sobre o peito de Ta, conjura um feitiço silencioso. O corpo dele se contorce, caindo de joelhos aos seus pés, os olhos vermelhos e as veias expostas em seu rosto.

"Posso te mandar de volta ao inferno, Ta. Para que volte a ser a vadia de Dom", ela sussurra com crueldade. "De onde você nunca devia ter saído."

"Vocês se esquecem com facilidade de que estamos do mesmo lado", diz o ancião, levantando-se. Ele se aproxima de Ta e toca-lhe o ombro, dissipando o feitiço. "Foi por brigas como essa que perdemos durante tantos séculos. Os anjos são bárbaros e calculistas, sim, mas nunca ferem os próprios irmãos. Estamos lutando contra eles. Não entre nós."

Ele lança um olhar firme para Ta.

"Jeff foi escolhido por Casth, mesmo com seu passado. E o motivo é claro: ele capturou o Tinnasit. Não cabe a você questionar a decisão de nosso rei”, diz o ancião antes de deixar o recinto.

Ta abaixa a cabeça, humilhado.

"Sua puta", sussurra em direção a Milk antes de desaparecer em uma espiral de fumaça negra.



O caminho de volta para casa é solitário. Apenas a lua me acompanha, lançando sua luz pálida sobre os campos. Ao contrário do que imaginei, a casa está tranquila, envolta pelo mesmo silêncio antigo que guardou séculos de histórias.

"Senhor Satur", diz Gladys, minha fiel criada.

"Boa noite, querida" entrego-lhe o casaco. "E o garoto?"

"Bati cinco vezes à porta do quarto, mas ele não respondeu", ela guarda meu casaco no armário e permanece no topo da escada. "O jantar está servido."

"Obrigado, minha querida. Pode ir descansar. Está dispensada."

Subo os degraus com passos lentos. Bato levemente na porta do quarto de Barcode. Sem resposta. Passo a mão sobre a fechadura e, com um toque mágico, a destranco.

Ele não está no quarto. Mas ouço o ritmo calmo de seus batimentos vindo do banheiro.

Encontro-o adormecido na banheira. Cuidadosamente, tiro-o dali, seco seu corpo e o visto com o pijama que ele próprio separou. Deito-o sob os cobertores com delicadeza.

"Boa noite, meu garoto" murmuro, beijando-lhe a testa.

Vou até a janela e deixo meu olhar se perder no campo de lavandas que se estende até o horizonte. O perfume sutil invade a memória — e ela me leva àquela tarde maldita.

Corro entre os lençóis pendurados, o aroma fresco de lavanda preenchendo meus sentidos. Ouço sua voz me chamar, e acelero em sua direção. Seu cheiro é inconfundível. Mas antes de alcançá-la, vejo sombras dançando atrás dos tecidos deixados ali para secar.

Minhas pernas travam. O medo me toma.

"Olá, meu querido", sussurra a voz de Casth.